Boas intenções com o que é dos outros

AO-ecosystems Vista aérea da floresta amazónica © CIAT/N. Palmer

A apropriação indevida de terras para projetos ambientais exclui as comunidades locais de decisões sobre o seu próprio futuro. É este o custo da conservação do planeta?

Conhecemos demasiado bem a tendência de empresas estrangeiras para assinarem acordos com países pobres a fim de obterem direitos sobre vastas áreas de terras, acabando por forçar a deslocação das comunidades locais. Na última década verificaram-se vastas apropriações de terras em regiões em desenvolvimento, impulsionadas por um delírio especulativo de culturas alimentares, biocombustíveis e reservas de água. Mas como é que devemos emitir um juízo quando os negócios das terras se destinam a apoiar bens públicos globais, como a conservação da biodiversidade e das paisagens naturais?

Um retorno às vedações

Foi o jornalista John Vidal quem primeiro cunhou, em 2008, a expressão «green grabbing» (com o significado de «apropriação de terras e de recursos para fins ambientais»), quando escrevia sobre uma nova onda de aquisições de terras em países em desenvolvimento motivadas por objetivos de conservação. Uma análise posterior desta tendência, nomeadamente num número especial de 2012 do Journal of Peasant Studies, alargou a definição a fim de incluir acordos para fixação de carbono, proteção da floresta e ecoturismo, entre outros. Os projetos de biocombustíveis também podem ser abrangidos por este rótulo e constituem um importante exemplo a ter em atenção. Até 2013, apenas 2% dos terrenos autorizados para biocombustíveis na Etiópia, Moçambique, Tanzânia e Zâmbia estavam, de facto, cultivados. As promessas iniciais do setor deixaram um legado de perda de acesso à terra para as comunidades, sem nenhum dos benefícios prometidos.

As apropriações para fins ambientais não dizem apenas respeito a adquirentes que compram definitivamente terrenos; incluem quaisquer casos em que as regras de acesso à terra e aos recursos são alteradas para beneficiar projetos ambientais à custa dos utilizadores existentes. Contudo, em vez de oporem a produção local em pequena escala à produção de bens em larga escala, as apropriações ambientais complicam a questão da terra, colocando a produção contra a proteção do ambiente. Ao fazê-lo, as apropriações ambientais estão a reacender os debates sobre a coexistência ancestral de pessoas e natureza.

Desde a era colonial que os agricultores, pastores e caçadores locais foram considerados como ameaças ao ambiente. As autoridades reservaram terrenos aparentemente vagos para a conservação, sem ter em conta a sua utilização habitual. No entanto, nas últimas décadas, os conservacionistas aprenderam que a maior parte dos planos, sem participação local, fracassam e que na realidade as comunidades podem ser tanto guardiãs como utilizadoras da terra. Contudo, numa atmosfera de crise com alianças insólitas em que o capital privado, Governos, organizações internacionais e consumidores assumem a defesa do planeta, algumas das lições parecem ter sido esquecidas.

Aventuras do carbono

Se existe um elemento que resume este dilema, é o carbono. Uma solução atualmente privilegiada para reduzir as emissões de carbono é o biochar (carvão produzido a partir da combustão de biomassa em condições de reduzida presença de oxigénio), que pode ser incorporado nos solos como forma de armazenamento de carbono de longa duração e que também melhora a fertilidade. Embora algumas empresas estejam a aplicar o biochar como uma tecnologia em pequena escala, outras procuraram angariar capital para plantações com biochar como matéria--prima em milhões de hectares de terras «subutilizadas» em África. Na verdade, são os próprios agricultores que regularmente enriquecem os seus terrenos com resíduos orgânicos de carbono, incluindo o biochar, como está registado em porções de terras pretas férteis em redor de muitas aldeias na África Ocidental. No entanto, estas práticas são pouco apreciadas como «tecnologias verdes» e existe imenso espaço para reconhecer e apoiar o potencial de mitigação de carbono altamente eficiente de pequenos agricultores sem lhes retirar grandes extensões da paisagem.

O país que foi objeto de mais apropriações de terras na última década foi a Papua-Nova Guiné, onde até 2011 algumas empresas adquiriram mais de 5 milhões ha de terras tradicionais. Grande parte destas terras foram adquiridas por especuladores de carbono na sequência de negociações promissoras de acordo com as normas de Redução de Emissões resultantes da Desflorestação e da Degradação das Florestas (REDD) em 2007. Estavam em negociação mais de 90 acordos de comércio de carbono em terras tradicionais, mas no espaço de dois anos quase todos pararam. No fim, a grande maioria dos milhões de hectares adquiridos no país foram utilizados para exploração de madeira a curto prazo. As dificuldades em garantir um consenso comunitário e legal sobre longos períodos de tempo fizeram com que projetos potencialmente verdes, com horizontes temporais distantes, se tenham perdido a favor da rápida indústria extrativa florestal.

Exemplos abundantes destes fracassos alimentam o ceticismo sobre a apropriação de terras para fins ambientais, salientando a divergência entre objetivos ecológicos de longo prazo e o mundo agitado do negócio de terras. Em 2008, a Libéria quase assinou um acordo com uma empresa britânica para entregar 400 000 ha de florestas para serem conservadas para comércio de carbono. O projeto de contrato entretanto conhecido especificava que todos os recursos florestais da zona deviam ficar intactos e definia recursos florestais como «qualquer coisa com utilização prática, comercial, social, religiosa, espiritual, recreativa, educativa, científica ou de subsistência ou qualquer outra utilização potencial para um ser humano que exista no ambiente florestal, não limitado à flora, fauna ou micro-organismos». Tratava-se de um excelente catálogo da utilização global que as comunidades locais faziam das suas florestas, embora apenas para lhes impedirem o acesso às mesmas. Na verdade, se os utilizadores locais viessem a interferir no valor do carbono do projeto, o Governo liberiano poderia ser responsabilizado pela empresa britânica pela perda de rendimentos de milhares de milhões de dólares. Depois de o contrato ter sido divulgado e de se tornar óbvio que não havia benefícios para o próprio país, a Libéria rejeitou o negócio.

Cerca de um terço do território tanzaniano está atualmente sob alguma forma de proteção da vida selvagem, uma tendência que proliferou nos anos 1990, durante uma fase auspiciosa de conservação de terrenos de pastagem com participação das comunidades locais. Contudo, uma deficiente implementação desta abordagem levou os dadores internacionais a retirarem os fundos e o Governo a favorecer uma gestão mais direta da vida selvagem pelo Estado. Subsequentemente, muitas aldeias que inicialmente aceitaram a utilização das suas terras para conservação dirigida pela comunidade, estão a ver os lucros irem para a indústria do turismo, enquanto os custos, nomeadamente pastos perdidos e colheitas destruídas por animais selvagens, são para a aldeia. Algumas comunidades associaram-se a empreendimentos benéficos com operadores de ecoturismo, com o maior êxito nas aldeias Masai de Lolindo, onde as autoridades locais bem coordenadas negociaram e investiram os ganhos em infraestruturas, serviços sociais e conservação da aldeia. Outros perderam inteiramente as suas terras para empresas que consideram mais fácil assinar arrendamentos privados para espaços de turismo.

É evidente que motivações semelhantes – conservar ecossistemas únicos, disponibilizá-los aos ecoturistas, evitar emissões de carbono para a atmosfera – podem levar a resultados muito diferentes para os utilizadores locais das terras. O que conta é a sua capacidade para negociar o próprio acesso à terra e aos seus recursos e isso significa estar presente quando o acordo é firmado. Até ao momento, os acordos de apropriação de terras para fins ambientais feitos sem participação local têm registado pouco sucesso e só esse facto pode constituir um travão para apropriações prejudiciais de terras para estes fins. O respeito pelos utilizadores tradicionais das terras pode, no final, ser melhor negócio, tal como é melhor para a conservação.

Land-grab-1777O biochar é inserido nos solos, onde fica armazenado por longos períodos, melhorando a fertilidade destes, protegendo o ambiente. © ACON/ S. Shaban

Terra para além dos hectares

As Diretrizes Voluntárias recentemente compiladas pela FAO sobre a Governação Responsável da Posse da Terra parecem feitas por medida para proteger as comunidades da apropriação indevida de terras em países com regimes fundiários consuetudinários generalizados – um sistema que ainda domina em 90% das terras africanas. No que diz respeito à apropriação de terras para fins ambientais, no entanto, as diretrizes da FAO irão enfrentar outras pressões internacionais sentidas pelos Estados: aumentar as áreas protegidas, poupar os depósitos de carbono ou fazer voltar espécies ameaçadas. Embora o apoio às reivindicações locais de terras possa retardar a sua apropriação indevida, a questão mais lata é a mesma de sempre: como estabelecer um equilíbrio entre a vida local e o desenvolvimento com as necessidades ecológicas?

A apropriação não inclusiva de terras para fins ambientais corta as sinergias efetivas entre objetivos de desenvolvimento e ambientais, deixando apenas sacrifícios e conflitos. O caminho mais promissor a seguir é provavelmente não comprar vastas áreas para uma função exclusiva, mas encontrar a maior quantidade de benefícios da paisagem no seu todo. A recente abordagem paisagística é uma tentativa mais sofisticada para dar resposta a alguns dos problemas que a apropriação de terras para fins ambientais ignora. Por exemplo, o projeto de redução de emissões de todas as utilizações da terra (REALU) da Alternatives to Slash-and-Burn Partnership for the Tropical Forest Margins procurou possibilidades de redução de emissões para além das florestas em quatro paisagens diferentes, trabalhando com os utilizadores para encontrar estratégias de incentivos para os benefícios do carbono em todo o lado. No município de Efoulan, no sul dos Camarões, esta procura centrou-se na gestão sustentável das florestas municipais e na intensificação de agroflorestas de cacau vizinhas misturadas com outras espécies arbóreas úteis. Projetos como este sugerem que as comunidades podem manter paisagens com níveis mais elevados de carbono mantendo, ao mesmo tempo, o seu modo de vida na terra.

As alterações climáticas, a desflorestação, a degradação e a perda de biodiversidade são problemas graves que aumentam cada vez mais. É fácil imaginar que soluções inclusivas não serão suficientemente amplas para lhes fazer face e que as grandes soluções terão de deixar de fora algumas pessoas. Mas a história da apropriação de terras para fins ambientais mostra que tornar as paisagens mais ecológicas não é tão fácil como arrendar terras. Os verdadeiros progressos não serão medidos em milhares de hectares, mas no empenhamento dos utilizadores das terras para trabalharem em conjunto de forma a atingirem objetivos comuns.

T. Paul Cox



 
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