Reforçar as ligações

DO-CIAT-S-Malyon© CIAT/S. Malyon

A agricultura não é só uma fonte de produção de alimentos, é também uma fonte de rendimentos para uma grande parte da população mundial. Pode ter um maior protagonismo na luta contra a subnutrição se a nutrição for plenamente integrada, com objetivos precisos, nas políticas agrícolas.

Vinte e dois anos depois da primeira Conferência Internacional sobre a Nutrição (CIN1), os cerca de 2 200 participantes da CIN2 não deixaram de salientar os progressos alcançados desde então – a população subalimentada diminuiu cerca de 20% – mas os desafios continuam a ser importantes perante o novo paradoxo do «duplo desafio», onde se conjugam simultaneamente subnutrição e sobrenutrição.
A comunidade internacional mobiliza-se cada vez mais a favor da nutrição. Em 2013, a Comissão Europeia fez da nutrição um objetivo de desenvolvimento, apelou a uma ação comum e comprometeu-se a atribuir 3,1 mil milhões € a favor da agricultura sensível à nutrição. Além disso, a UE e três instituições internacionais, entre elas o CTA, anunciaram na Conferência que estão a colaborar para promover uma agricultura que permita uma
melhor nutrição.

Produzir mais diversificando

É indispensável aumentar a produção e a produtividade agrícolas, nomeadamente face ao crescimento demográfico. É uma vontade declarada por todos os Governos. No entanto, e é isto que é novo desde há alguns anos, é solicitado cada vez mais ao setor agrícola que seja mais sensível à nutrição. Porque aumentar a produção não rima automaticamente com redução da subnutrição. Por exemplo, na região de Sikasso, no Mali, coabita uma importante produção agrícola com taxas de subnutrição crónica nas crianças e jovens, tendo a ingestão de calorias origem principalmente nos cereais, ricos em hidratos de carbono, mas pobres em micronutrientes. O caso não é único.
Por conseguinte, o crescimento da produção deve contribuir mais para a segurança alimentar e nutricional da população. Uma das vias para aí chegar consiste em diversificar a produção agrícola, orientando-a para a horticultura e para as leguminosas, mas também para produtos lácteos, peixe, avicultura e pecuária.  
Diversificar as culturas permite igualmente melhorar a fertilidade e a estrutura dos solos, introduzir novas práticas agrícolas mais sustentáveis e diminuir os riscos para os agricultores, melhorando os seus rendimentos.

DO-biofortification-staple-foodsVariedades de arroz biofortificado testadas num laboratório do CIAT. A biofortificação do arroz visa aumentar a nutrição e a segurança alimentar nos países ACP. © CIAT/N. Palmer

Explorar a biodiversidade

A natureza está cheia de espécies nutritivas pouco exploradas, esquecidas ou ainda ameaçadas pelas alterações climáticas, pela desflorestação ou pelos incêndios florestais. Em África existirão cerca de 400 espécies de legumes tradicionais, produtos hortícolas folhosos que para alguns têm um elevado valor nutritivo, muitas vezes desconhecido.  
Uma das formas de resolver as deficiências em nutrientes consiste em apostar nestes legumes tradicionais. É o caso da moringa, cujas folhas ricas em vitaminas, minerais e proteínas são secadas e moídas para utilização em molhos (ver caixa). Nas ilhas do Pacífico, os espinafres-da-nova-zelândia também contêm nutrientes em abundância ou ainda o fruto da árvore-pão, cultivada no Pacífico e nas Caraíbas, muito nutritivo em calorias, vitaminas A, B e C, fósforo e ferro.
Apostar nos legumes, tradicionais ou não, é também uma forma de lutar contra a obesidade nas ilhas do Pacífico e nas Caraíbas, onde o consumo de alimentos transformados, ricos em calorias e pobres em nutrientes e principalmente importados, é importante.
Após campanhas de promoção e de sensibilização, nos últimos anos assiste-se a um grande interesse pelos legumes tradicionais. Na Tanzânia calcula-se que 70% dos legumes cultivados e comercializados nas zonas rurais e suburbanas são legumes tradicionais, enquanto no Quénia o crescimento do mercado destes legumes foi de 135% entre 2002 e 2006.

A biofortificação em expansão

A biofortificação dos alimentos de base pode constituir uma solução para as carências nutricionais. Estão em curso numerosas pesquisas para enriquecer em nutrientes as variedades locais de cereais e leguminosas. A HarvestPlus, uma aliança mundial que pretende reduzir as carências em micronutrientes, bem como 60 parceiros em todo o mundo, trabalham no desenvolvimento das culturas biofortificadas. Atualmente, cerca de 10 milhões de pessoas em zonas rurais cultivam e comem alimentos biofortificados e o seu estado nutricional melhorou, de acordo com a HarvestPlus. A batata-doce com polpa alaranjada, rica em betacaroteno, é um dos exemplos de maior sucesso. É cultivada por oito países africanos e os estudos confirmam a sua eficácia. Um feijão de alto rendimento enriquecido em ferro já foi introduzido na RDC, no Ruanda e no Uganda, enquanto a Nigéria aposta na mandioca fortificada em betacaroteno. Há outras culturas envolvidas, como a banana, o trigo, o milho ou ainda o arroz.
Todavia, a biofortificação exige dos pequenos agricultores um investimento à partida em novas sementes que têm de ser adaptadas às condições locais e ser rentáveis. Os custos recorrentes devem, no entanto, permanecer razoáveis. Se as variedades biofortificadas incidem nas culturas alimentares de base e, portanto, em alimentos familiares, pode colocar-se o problema da aceitação pelas populações. Por último, as tecnologias utilizadas para criar novas variedades podem apelar, em certos casos, aos OGM e colocam também a questão da apropriação das sementes e do reforço das capacidades dos organismos de investigação locais.

Desenvolver a cadeia de valor

Face à urbanização e às alterações de estilo de vida, os agricultores, pequenos e grandes, têm de se adaptar a estas transições dos regimes alimentares. Pode tratar-se, simplesmente, de facilitar o acesso das populações urbanas aos frutos e legumes frescos, como propõe o projeto «Empregos verdes» na Nigéria (ver reportagem da  Esporo n.º 126), ligando mais diretamente os produtores ao mercado. Ou pode ser transformando ou acondicionando. É o caso da empresa Fasopro, que desde 2014 comercializa sacos de lagartas frescas de karité, ricas em proteínas, ferro e Ómega 3, que contribuem para combater a subnutrição. Muito apreciadas no Burquina Faso, as lagartas esterilizadas podem ser consumidas ao longo de todo o ano. Ou pode ainda ser enriquecendo os alimentos na sua transformação. É cada vez maior o número de países, nomeadamente da CEDEAO, que obrigam a fortificar a farinha com ácido fólico ou a enriquecer o óleo vegetal refinado com vitamina A.
Além disso, ao longo de toda a cadeia de valor, é preciso preservar o valor nutritivo dos alimentos e limitar os desperdícios. Em muitos países a falta de armazenamento, de refrigeração ou mesmo a insuficiência de infraestruturas de transporte, conduzem à perda total de muitos alimentos, desde legumes aos frutos, passando pelo peixe.

DO-orange-fleshed-sweet-potato A carência em vitamina A, muito espalhada pelo mundo, é uma das principais da cegueira. A batata-doce cor de laranja, rica em betacaroteno, permite aumentar os níveis de vitamina A e lutar contra a malnutrição. © HarvestPlus

Educar e centrar-se

A insegurança alimentar e a carência de nutrientes são fenómenos que ocorrem principalmente nos países em desenvolvimento. Focar-se nos mais vulneráveis e mais pobres faz parte integrante da luta contra a subnutrição. Do mesmo modo, é benéfico adotar uma política do género que favoreça a autonomização das mulheres no setor agrícola, porque isso tem impacto na produtividade agrícola, tendo em conta que é através das mulheres que se chega mais facilmente ao núcleo das famílias em tudo o que diz respeito à alimentação, à educação e à saúde das crianças. Para isso, as campanhas de sensibilização têm um papel importante a desempenhar, podendo ser divulgadas nas rádios locais, em feiras, nas escolas, etc.
São muitas as ações que visam os mais vulneráveis, seja individualmente, seja nas comunidades. No Ruanda, por exemplo, o programa «Uma vaca por família» já beneficia mais de 100 000 famílias: consiste em distribuir uma vaca às famílias pobres ou vulneráveis que vivem com menos de 0,7 ha.
Nas comunidades, a multiplicação das hortas por toda a África conduz a uma maior capacidade nutricional graças à cultura de frutos e legumes para serem consumidos na família, mas cujos excedentes podem ser comercializados, melhorando assim os rendimentos (ver a nossa reportagem no Níger). Outro exemplo são os programas de alimentação escolar, implementados nomeadamente pelo PAM, porque são um meio de assegurar aos estudantes uma refeição todos os dias, mas também uma forma eficaz de sensibilização para a nutrição, nomeadamente através da criação de uma horta nas escolas. Estes programas também se apoiam, na medida do possível, na produção local, melhorando assim a situação económica dos pequenos produtores e da comunidade no seu conjunto.

Infografica-177-PT-1Fontes: FAO, FIDA, OMS, PAM

Infografica-177-PT-2Fontes: FAO, FIDA, OMS, PAM

Políticas agrícolas sensíveis à nutrição

A nutrição ainda está pouco presente ou nem sequer está presente nas políticas agrícolas, que se preocupam mais com a produção e a produtividade. É uma das conclusões de uma avaliação das políticas agrícolas de 15 países africanos e dos planos de 18 países africanos no quadro do Programa Integrado para o Desenvolvimento da Agricultura em África (CAADP), liderado pela ONG Save the Children. Todavia, nove dos 18 CAADP especificam como objetivo a melhoria da nutrição. Mas poucos integram objetivos específicos acompanhados de indicadores nutricionais e de consumo alimentar. Mas é isso que acontece, pelo contrário, com o Burundi e a Etiópia, que indicam que o atraso de crescimento das crianças deve ser reduzido em 3%. Apresentar um objetivo específico permite criar indicadores de acompanhamento e assim medir os resultados e prestar contas.
Em paralelo, os recursos humanos do setor agrícola devem ser reforçados na questão da nutrição. No Burquina Faso são integrados cursos de nutrição nas formações nacionais em Agronomia. No Quénia foi criada uma secção de Economia Doméstica no âmbito do Ministério da Agricultura, que está encarregada de criar o mandato nutricional do Ministério.
A comunidade internacional atribui cada vez mais importância à nutrição e admite que ela seja apreendida de maneira multissetorial, com uma abordagem coordenada e ao longo do tempo. Os ministérios da Agricultura devem desempenhar plenamente o seu papel, desenvolvendo pontes com os outros ministérios, participando nas estruturas de coordenação intersetorial, elaborando e integrando indicadores nutricionais na sua política agrícola.
A CIN2 adotou a Declaração de Roma que inclui 60 medidas para lutar contra todas as formas da subnutrição. Na sequência da conferência, a FAO criou um fundo de afetação especial a favor da nutrição e integrou a nutrição como tema transversal no quadro estratégico revisto da organização. As explorações agrícolas familiares parecem ser a melhor garantia para difundir a noção de uma agricultura preocupada com a nutrição, explorando ao mesmo tempo de maneira sustentável a riqueza da biodiversidade. A agenda da agricultura familiar junta-se assim à da nutrição.

Anne Guillaume-Gentil



 
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